REMINISCÊNCIAS GEOLÓGICAS: CURSO DE GEOLOGIA DA UNISINOS NA DÉCADA DE 70 DO SÉCULO PASSADO. COMO ERA?



REMINISCÊNCIAS GEOLÓGICAS:  CURSO DE GEOLOGIA DA UNISINOS NA DÉCADA DE 70 DO SÉCULO PASSADO. COMO ERA?


Por: Paulo Neves - usppd@yahoo.com.br

PROLEGÔMENOS

Sempre que discutimos, entre colegas, sobre o nosso curso de Geologia, costumamos achar que foi o curso mais difícil, mais trabalhoso, e que exigiu de nós um esforço sobre-humano para que nos formássemos. Ora gente, que grande bobagem...! Qualquer curso de nível superior tem o mesmo nível de dificuldade. O problema todo está na aptidão. Para alguém que tem habilidade para estudar Direito, deve ser horrível estudar  Nutrição, por exemplo. Então, podemos resumir assim: alguém que teve vocação para Medicina, com certeza não conseguiria fazer Geologia e vice-versa. 

Uma dificuldade, na Geologia, existia sim. Uma carga muito pesada de Matemática, Física e Química, principalmente. Então, para alunos que vinham de um ensino médio muito precário, como a maioria dos que ingressavam na UNISINOS, o Curso se tornava quase que instransponível. As pessoas chegavam a rodar até 10 vezes em determinadas disciplinas (sim, isso qualquer um que cursou Geologia lá, presenciou) e, acabavam desistindo do Curso (em nível mundial, não se sabe a causa, mas Geologia é o curso que apresenta os maiores índices de desistência). Existia até mesmo um jargão por lá: "a UNISINOS é um funil; uma boca muito larga para se entrar e uma boquinha extremamente apertada para se poder sair". Esta era a grande dificuldade! Para ilustrar isso, cito o meu caso. Quando me formei a turma tinha oito formandos e o universo de alunos do curso chegava a aproximadamente mil e trezentas almas.

Comparar um curso da década de 70, com um curso de hoje é muito difícil, pois são períodos históricos e momentos tecnológicos muito díspares. "É, por exemplo, como comparar Pelé, com Maradona, quem foi o melhor? Nunca saberemos!!! 

Se antes tínhamos currículos teoricamente mais robustos do que os atuais, carga horária maior, mais trabalhos de campo, maior convívio entre os colegas, etc..., hoje têm-se o avanço da informática, que aparentemente tenta compensar tudo isso. Mas, em uma rápida reflexão concluímos que antes lía-mos mais, hoje visualiza-se mais. Talvez aí esteja a grande diferença. Isso, com certeza, causou um grande distanciamento entre os colegas. Hoje em dia o individualismo é a tônica. Na nossa época, a pequena São Leopoldo fervilhava, existia uma ânsia pelo saber geológico e pelo saber cultural. Nossos horizontes eram mais abertos eu creio. Se falava e se discutia geologia, filosofia, biologia, literatura, etc. freneticamente, na Universidade, nos bares onde se botava conversa fora e nas casas de estudantes, que eram inúmeras. Os alunos que nelas não moravam, por lá sempre ficavam agregados, para as aulas do outro dia (uma desculpa para lá de esfarrapada!). Mais tarde, encontrei este mesmo ambiente de incandescência no meu Mestrado e Doutorado, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e no meu Pós-doutorado, na Universidade de São Paulo. Era comum passarmos com nossos parentes por essas universidades, tarde da noite ou nos finais de semana,  e eles dizerem "olhem as luzes acesas, os "funcionários públicos não cuidam de nada". Ora, tratava-se de um ledo engano, pois eram os alunos de pós-graduação e, até mesmo de graduação, alguns, que passavam noites à dentro estudando e pesquisando por lá (nos sentíamos donos da Universidade). Hoje, isso faz parte do passado, com toda a certeza. Perdeu-se o romantismo.

Quem estudou geologia naqueles idos teve a felicidade de conviver com grandes mestres daqueles tempos: Rodolfo Geraldo Hoffmann (Biologia), que nos encantava com seu conhecimento holístico da ciência e com seus magníficos desenhos no quadro; Victor Mabilde Ripoll (Mineralogia I - in memoriam), o mais vibrante e amante da cátedra, que vimos, "o homem dos minerais-problema".

Tânia Dutra Gonzaga, nossa grande paleontóloga e "eterna professora";

 Léo Afrâneo Hartmann, o "Barão", que com sabedoria nos ensinou os desígneos do metamorfismo; 

    Carlos Napoleão Ribeiro, o "Napa", um sábio da petrologia (Petrologia Ígnea I-II - in memoriam; Vitor Haertel (Geodésia) um verdadeiro "Lorde" (in memoriam); Guido Wenzel SJ. (Química Orgânica), que tinha seu gabinete embaixo da escada que subia para as aulas e que nos brindava com a boa música clássica todas as tardes; Arthur Balduíno  Rambo SJ (Antropologia), sobrinho do Padre Balduíno Rambo SJ., que foi quem primeiro nos falou da abrangência de um curso de geologia;

Henrique Carlos Fensterseifer (in memoriam) (Estratigrafia I-II e Geologia do Brasil), um geólogo (era formado em História Natural) à frente do seu tempo - sem ele não teria havido Geologia na Unisinos);

 Carlos Henrique Tramontina (Geomorfologia I, II e Geologia Estrutural II), sempre tranqüilo, brincalhão e que nos deu aulas de humildade e serenidade para encarar a vida; Marcos Aurélio Retamal Medeiros (in memoriam) (Geofísica II e Recursos Energéticos), o "Marquinhos", que na docência, representava toda a loucura que era ser um geólogo dos anos setenta; 

Luiz José Tomazelli (Sedimentologia I - II e Geofísica I), que  tinha, nas aulas, um entusiasmo e uma entonação vocal imensa; 

    Ênio Soliani Jr. (Geologia Geral) que foi quem primeiro nos ensinou a gostar e amar a geologia; Jair Carlos Koppe, que na Mineralogia II, nos mostrou a parte íntima dos minerais, suas propriedades cristalográficas, físicas e ópticas. Rudolf Detsch (Física para Geólogos I), que ministrava os dois volumes do Resnik; Holliday num único semestre (um capítulo por aula) - nossa quase toda a turma rodava!; o Prof. "Bareta" (Anderson Claiton Rodrigues - in memoriam)  de Geotecnia, que não nos tratava como alunos, mas como futuros colegas, o Prof. Orsi de Estatística, que apesar de matemático por formação, tinha grande apreço pelas ciências geológicas, entre outros tantos. Com um time dessa categoria, não havia porque não sermos ótimos geólogos em nossas carreiras futuras. 

    Por falar em matemático, tenho uma grande recordação de meu professor de matemática do último ano do segundo grau. Inquirindo a turma sobre o que cada um de nós faria no vestibular, quando lhe disse que faria Geologia, ele riu e disse: sonho de verão! Pena que nunca mais o vi, mas o sonho se concretizou. 

    Alguns colegas que marcaram nossa época (alguns não lembro mais o nome, mas o apelido sempre fica): Simetria (parece que este cara só tirava 10, dai o apelido), Mário Lago (o Lagão, meu fraternal amigo), João Luis Emmel (Garcígula, o grande Imperador), Protásio Antônio Vervloet Paim (o Prota), Ruy Paulo Philipp (quando ele tirava 7 em alguma disciplina a turma toda se apavorava, pois as notas seriam, com certeza, muito baixas), Ivan Luís Zanette (Nonô, meu grande companheiro de churrascos de fim se semana), Vítor Paulo Pereira (grande amigo e incentivador das minhas loucuras), José Ubiratã Teixeira (Caçapava, parece que se tornou astrônomo), Nestor Fiorentin (o Lando Buzanca, um galanteador de escol, que sempre falhava em suas investidas), André Bicca de Barcellos (o Bica), Pasqualino Gugliota (o Pascoal), Orlando Freitas Torres (um excepcional violonista e grande amigo), Dirceu de Nadal (o agenciador, talvez a pessoa mais inteligente de todos nós), José Carlos Mendel (o terrível "come-quieto", mas nos contava todas), Gilberto Bobsin (brigão como poucos, mas um grande amigo e um grande coração), Carlos Augusto Giovanini (Caco) uma grande figura, Valdir de Moraes (grande figura humana que já nos deixou), Chicão da Corsan (outro grande amigo de todos), entre tantos outros, que a memória vai apagando. à medida que for me lembrando de outros vou adicionando no texto.

--> uma passagem engraçadíssima ocorreu com um professor nosso que recém havia chegado de seu doutorado na Europa. Era uma pessoa vetusta e metódica, parecia um nobre inglês, daqueles dos filmes antigos. Quando pegava o ônibus, para ir para casa, sentava sempre no mesmo banco da frente (na janela), atrás do motorista. Um certo dia, um colega nosso entrou no ônibus antes e sentou no banco do corredor (ao lado daquele que o mestre sempre sentava). A seguir, o professor entrou no ônibus e sentou em seu lugar de sempre, ao lado do rapaz. O interessante é que naquele dia o ônibus só teve estes dois passageiros. Nosso colega veio de São Leopoldo a Porto Alegre naquela situação, sem saber o que fazer! É claro que quando nos relatou o fato, a  gozação foi muito grande, como não haveria de ser de outra maneira.

--> Em São Leopoldo, tinha uma república em que moravam três colegas, mas invariavelmente, posavam mais quatro ou cinco agregados. No apartamento do lado, moravam três moças, que deixavam suas calcinhas na sacada para secarem a noite. Não é que um maluco teve a idéia de roubar algumas calcinhas. Cada dia ele aparecia com uma. Colocou na diagonal de seu quarto um barbante e fixava o produto de seus desvios, como se fossem bandeirinhas de São João. Mal sabia o louco que uma das moças era noiva de um delegado da polícia federal. Estava montada a tragédia, um belo dia o cara bateu à porta com um mandato de segurança, entrou no quarto e configurou o crime. Foi um esparramo, ninguém assumia a bronca, até que não se sabe de que forma o culpado apareceu. Respondeu inquérito, foi ameaçado de prisão, desapareceu de São Leo, ... conta a lenda que foi terminar seu curso no Ceará e, nunca mais foi visto pelas bandas do sul.

--> Outra, nem tão engraçada assim, foi na véspera de minha formatura. As notas de Geodésia saíram um dia antes. E, sete dos formandos foram reprovados. Foi um verdadeiro "burburim", com tentativas de encontrar o professor, que se tornaram inúteis, a turma ameaçou não se formar, em solidariedade, etc. Quando, finalmente o mestre foi localizado, fez-se um pedido para que ele fizesse a revisão dos exames na manhã seguinte (a do dia da formatura) e ele concordou. Pairou um certo alívio, pois achávamos que ele se sensibilizaria, pois familiares estavam em deslocamento para o evento (um ônibus estava vindo de Goiás, inclusive). Mas, para nossa tristeza, as notas foram confirmadas. É, naquela época ainda não havia ainda, sido institucionalizado no Brasil, o famoso jeitinho. O Brasil ainda era outro.

--> As saídas em campo e outras passagens em sala de aula foram homéricas: na época o "romantismo" imperava na geologia. Passávamos vários dias no campo, acampados em barracas. As vezes a turma extrapolava os limites. O que acontecia? Vou relatar algumas das passagens, sem relatar nomes, por motivos óbvios:

--> No mapeamento geológico que tínhamos que defender para ser auferido o grau de geólogo, eu e outro colega estávamos fazendo caminhamento no interior de Santana da Boa Vista. Num dia frio do inverno gaúcho chegamos numa fazendola e conversamos com o dono. Meu colega era portoalegrense da gema, eu um tosco de São Gabriel. O senhor nos acolheu e começou a cevar um chimarrão. Nisso vi que nosso anfitrião era um digno personagem de Bram Stoker, pois ao sorrir só apareceram os dois caninos superiores. Quando veio o mate eu disse ao meu amigo que era uma desfeita muito grande naquela região não tomar o chimarrão oferecido. Sentei estrategicamente de modo a ser o último a tomar, assim o mate era tomado pelo fazendeiro, depois pelo colega e só após chegava a mim (bobagem infantiloide). Bem fomos então almoçar. Nossa, o arroz era embolotado ao máximo e o feijão, muito ralo e com pele de porco em que se visualizava os pelos do falecido suíno. Meu colega quase teve um enfarto e, eu mais acostumado com essas coisas da campanha comi bem farturosamente.

--> Uma passagem muito insólita aconteceu numa madrugada fria e chuvosa. Um colega nosso, levou seu pai que era professor da UFRGS e diretor da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre para o aeroporto. Ao passarem pela rua Voluntários da Pátria, que na época era o principal ponto do baixo meretrício em Porto Alegre, viu dois professores do nosso curso (que tinham as barbas à altura do umbigo, como era praxe dos geólogos da época), com as calças arregaçadas até os joelhos, sentados na calçada, jogando barquinhos de papel na corrente d'água da sarjeta. Parou o carro e cumprimentou os mestres. Imaginem a cena e a explicação, pois o pai de nosso colega era homem do mais fino trato e inserido na alta sociedade do nosso Estado. Como terá sido a explicação do fato de seu filho ter tais mestres em sua formação? Ficou entre eles!

--> Tínhamos um professor que adorava surpreender algum aluno colando. Certa feita, uma colega nossa, meio gordinha e de generosos seios, estava fazendo de conta que estava "colando" (havíamos combinado tudo antes). O mestre foi para o corredor e ficou observando pela fresta da porta. De repente, entrou na sala e foi em direção a moça, que colocou a suposta "colinha" entre seus seios. Não é que o danado foi que nem um ave de rapina atrás da cola. O riso foi geral, pois tudo havia sido combinado previamente entre a turma e no papel estava escrito apenas o nome do mestre e os vocábulos "seu tarado". O próprio mestre meio que encabrunhado riu muito depois de passado o fato. 

--> Outra de cabo de esquadra foi em uma prova final numa tarde que fazia um calor de deixar um saudita doente. Pois bem, na fileira da janela ocuparam a fila seis indivíduos vestidos de casacos pretos, típicos do inverno gaúcho. A prova sairia da aula (inventamos um método chamado de bondinho do pão de açúcar - um barbante atado nas pontas, com uma caixa de fósforos vazia) e entraria por uma das janelas, já resolvida. O professor sentiu que algo estava errado e perguntava a toda hora se não estávamos sentindo calor, se estávamos doentes, e assim foi. Ele nos cuidou o tempo inteiro, mas não conseguiu o flagrante. Então, após a entrega das provas, salomonicamete, rodou a fila inteira (naqueles tempos não havia a quem recorrer, decisão tomada, fato consumado). O trágico disso é que um colega nosso, que estava na primeira classe da fila, um cara para lá de dedicado, rodou também. Ele se indignou, disse para o professor que nunca havia repetido nenhuma disciplina em sua vida de estudante, que não tinha nada que ver com "os homens de preto". Mas não adiantou, no semestre posterior lá estava ele de novo, só que agora a uma distância segura de nós.

--> Outra engraçadíssima que houve me envolveu, só que dessa vez com final feliz. Exame final de Estatística. O Prota estava ao meu lado e me pediu um questão. Fiz um papelzinho e disse para ele, mata no peito Prota. Não é que o danado se abaixou e o invólucro passou por cima de sua cabeça e caiu no chão. O professor riu e disse para mim: Paulão traz aqui o papel. Se estiver certo dá para seu colega e tudo bem. Se estiver errado os dois estão reprovados. O momento foi tenso até ele dizer: está certo e cumpriu sua palavra. Nessa tarde eu tive verdadeiramente sobre minha cabeça "a espada de Dâmocles".

--> Mais uma, um colega levou uma furadeira e fez um túnel na parede da sala. Por ali sairia a prova e entraria posteriormente resolvida. Não é que os sacanas, fora da aula, resolveram a mesma em uma folha de papel almaço, daqueles encerados. Então, o colega ficou puxando aquela folha e fazia um barulho danado, mais acentuado quando o cara ficou abrindo o papel depois de tê-lo colocado em seu colo e o restante da turma pressionando para que ele fosse rápido. De repente o professor levantou-se de sua cadeira e disse: vou até o bar tomar um cafezinho, senão vou ter que tomar uma providência. Entregue as provas ficou a dúvida: será que ele vai considerar nossas provas? Considerou!

--> Um dia o professor de Física para Geólogos I estava corrigindo as provas, à medida que elas eram entregues. A turma atrás do mestre esperando seu veredito. Entre os zeros e os 2-3, que eram muito comuns, de repente o professor disse "ôpa esse aqui tirou 7, mas não colocou o nome. Foi um avanço geral, na esperança de que fosse um de nós. Eis que o "lente" disse "ah, é o gabarito". O cara era tão louco que dava sete para o seu gabarito, pois descontava tudo aquilo que não era literalmente desenvolvido. Hoje a gente ri, mas na época chorava!

--> São tantas as estórias sobre as provas que vou parar por aqui. Se é certo que colávamos um pouco, também é certo que estudávamos como uns desesperados e os mestres sabiam disso. Por esta razão, as vezes aliviavam um pouco. 

--> No pátio do curso de Geologia havia um símio, em uma gaiola, que os padres mantinham aprisionado. É os religiosos, apesar de cultos, eram ignorantes. Nas folgas das aulas lá estávamos nós, visitando o Chico, que adorava certas guloseimas, que levávamos para ele. Um dia, aproveitando-se do gentil acolhimento que o Chico nos oferecia, um colega colocou sua mão no interior da gaiola. Que azar! O Chico repentinamente se enfureceu e mordeu a mão do rapaz. Isto lhe custou o dedo médio que foi arrancado pela ferinha. Mesmo com cirúrgia plástica não foi possível recuperar a perda. O trauma foi tão grande que o colega acabou por abandonar o curso!

--> saída de campo para Lavras do Sul: --> saímos numa  turma com 18 alunos e uma aluna (na época eram raras as meninas que faziam geologia). A noite, antes do tradicional churrasco, resolvemos fazer uma peça, que consistia em um casamento. Um colega era o padre, outros dois os padrinhos, outro o noivo e a menina a noiva (fizemos até uma coroa para ela, com flores do campo). Os demais colegas, o professor e o motorista, os convidados. Até ai, tudo bem. O problema veio depois da cerimônia e da festa (churrasco, com uma cervejinha clássica e até uma cachacinha, pois ninguém era de ferro!). Pois bem, ao nos recolhermos para nossas barracas, o noivo se arvorou e quiz fazer valer suas prerrogativas. A menina corria em volta do ônibus com o insano em seu percalço. Final da estória: a menina teve que ficar na barraca do professor. No outro dia a gozação foi total, inclusive com o mestre. O mais inusitado de tudo é que ao final do curso os dois casaram realmente e, viveram felizes para sempre.  

--> saída de campo para o Itaimbezinho, em Cambará do Sul: --> saímos da rodoviária de Porto Alegre, passamos em São Leopoldo e subimos à Serra. O professor havia levado a sua esposa e estavam nos primeiros bancos do ônibus. Na ida tudo bem. Mas, na volta, meu Deus do céu. Era já tarde de uma noite muito fria. Um dos colegas estava em estado de etilismo agudo e era muito chato. Então, os demais colegas começaram a tirar as suas roupas e atirarem na cabeça dos outros à frente. Ora, sempre que chegava um artefacto daqueles em alguém, não se pensava duas vezes, abria-se a janela e jogava-se o mesmo na estrada (me lembro de ter jogado um tênis). Ao chegarmos no fim da jornada, na rodoviária de Porto Alegre, o inafortunado aluno, um cara muito alto e com um bigodinho tipo Freddie Mercury, completamente nu e arrastando a língua, chegou onde o professor e sua esposa estavam e disse: olha aqui ... o que que esses "fdp" fizeram comigo! Como é que eu vou embora agora? O professor e a esposa ficaram espantados, não sei se com a situação ou com a verdadeira "píton" que o rapaz era portador! O final da estória foi feliz: alguns colegas enrolaram o cara em uma toalha de banho e o levaram de táxi para casa. O motorista do táxi é que deve ter ficado muito "encucado" com a coisa!

--> saída de campo para a Serra do Sudeste, em Santana da Boa Vista --> essa vou omitir o sexo do docente, mas o ocorrido se deu assim: - trabalho árduo na seqüência de rochas dos afloramentos visitados. Um dia de verão com um calor insuportável (quarenta graus à sombra). O professor(a) extremamente "chato(a)", pois tudo era proibido. De repente, ficou num afloramento fazendo observações e a turma subiu de repente no ônibus e disse para o motorista ir embora, pois o docente iria de carona com um amigo para Porto Alegre. Isso que naquela época não existia celular!  Após o ônibus rodar por uns 10 minutos, dissemos para o motorista voltar. A figura estava "p" da vida e deu um bolo daqueles, principalmente com as conversas para "boi dormir" que tentamos contar.

--> saída de campo para a Planície Costeira, em Torres --> o professor tinha um casamento marcado, do qual ele era padrinho. Foi de automóvel e a turma de ônibus. Após a aula, ele voltou na frente e a turma voltou sozinha no ônibus. Quando o ônibus ultrapassou um ônibus com turistas argentinos (naquela época a estrada era de uma mão, então um veículo ao ultrapassar o outro, ficava quase que rente), ora que surgiu nas janelas do ônibus cinco ou seis "luas rachadas" a observar os turistas. O ônibus deles foi em frente e ao passarmos pelo posto da Polícia Rodoviária Federal em Osório, nosso veículo foi parado e subiram dois policiais no mesmo, que detiveram a turma até que os que mostraram suas luas assumissem a bronca. Eles demoraram alguns dias até voltarem às aulas...

    Hoje, pensando nesses fatos e, em inúmeros outros, que aconteceram, fica a pergunta. O que levava a tudo isso? Ora, era uma época de efervescência mundial, de grande inquietação entre os jovens (Beatles, Rolling Stones, Elvis Presley, Janes Joplin, etc.). O país passava por uma ditadura atroz. Todo mundo ficava sufocado e, talvez, encontrasse nessas manifestações, até mesmo infantiloides muitas delas, uma válvula de escape para suas frustrações. Também, porque geologia era um curso "sui generis", diferente dos demais. Muitas saídas de campo, o que dava um sentimento de relativa liberdade a todos. Talvez, somente biologia fosse algo semelhante.

    Bem, depois desta introdução, vou colocar para que fique como um registro histórico do Curso de Geologia da UNISINOS da década de 70, o curriculo do Curso de Geologia em 1976 (como o documento original estava quase que ilegível, digitei o mesmo), era composto pelas seguintes disciplinas:

Obs: na época, os cursos nada ou pouco mudavam suas disciplinas (não havia os motivadores dos modismos ainda). Certa vez, ao comentar com um geólogo português o porque da Universidade de Lisboa manter a mesma grade curricular, desde o seu início (final do século XIX), ele me disse que em Portugal a nomenclatura não muda, o que muda são os avanços da ciência. Fiquei quieto e envergonhado com a explicação, pois aqui no Brasil a clássica Geologia Geral havia passado a ser o tal Sistema Terra e, as cargas horárias de Matemática, Química e Física, haviam sido dizimadas, para em seu lugar entrarem disciplinas com um grau de dificuldade menor. Chegou-se ao absurdo de substituírem quase que toda a carga de Mineralogia da UNISINOS, que à época era bem satisfatória. Ou seja, liquidaram o curso na sua raiz, mexeram em sua alma! A partir de então, começou a rarear a grande leva de alunos que passavam para o Mestrado na UFRGS e outras federais do Brasil, e que abocanhavam a maioria das vagas da PETROBRÁS e da CPRM. Aquele curso foi tão bom, que já encontrei ex-colegas nossos como professores da USP, UFRGS, UNIPAMPA, UFSC, UFMT, UFMS, entre outras. Gente, com tradição não de mexe! Esta é a lição que fica, em qualquer segmento de nossas vidas. 

No ano de 1981, no período de férias, houve um trágico incêndio no anexo B do Campus Central da UNISINOS, onde estava estabelecido o Curso de Geologia (as causas reais do sinistro nunca puderam ser esclarecidas). As perdas foram totais, tanto materias quanto documentais. Pairou uma grande dúvida no ar. A UNISINOS prosseguirá com a geologia, já que os equipamentos perdidos teriam que ser repostos e custariam uma verdadeira fortuna. Felizmente, a Universidade optou por manter o curso. Parte desse desideratum deveu-se a gentil oferta da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - que cedeu à UNISINOS um laboratório completo de petrografia, que lá estava sem utilização. Tal laboratório é a alma de um curso de Geologia, então a UNISINOS pode continuar, agora nas instalações do Novo Campus, no bairro Cristo Rei.

Curso de Geologia - UNISINOS 1976 - 4 créditos equivalem a 64 h/aula

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  Semestre 1                                                                                               Créditos

Antropologia                                                                                                           

Língua Portuguesa                                                                                                 

Língua Inglesa                                                                                                        

Matemática Fundamental                                                                                       

Lógica e Metodologia Científica                                                                            

História do Pensamento Humano                                                                         

Estudo de Problemas Brasileiros                                                                         

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Semestre 2

Geologia Geral                                                                                                       

Biologia                                                                                                                   

Desenho Técnico I                                                                                                  

Cálculo Diferencial e Integral V                                                                             

Química V (Geral e Inorgânica)                                                                              8

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Semestre 3

Geologia Estrutural I                                                                                               4

Paleontologia I                                                                                                         4

Desenho Geológico                                                                                                 4

Mineralogia I (Cristalografia e Óptica Cristalina)                                                 8

Química VI (Química Analítica e Físico-Química)                                                 8

Física para Geólogos I (Mecânica e Termodinâmica)                                          8

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Semestre 4

Geomorfologia I                                                                                                       4

Topografia                                                                                                                4

Estatística III                                                                                                             4

Mineralogia II (minerais formadores das rochas)                                                 4

Paleontologia II                                                                                                        4

Física para Geólogos II (Eletricidade e Magnetismo)                                          8

 Geologia Estrutural II                                                                                             4

Química III (Orgânica)                                                                                             4

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Semestre 5

Sedimentologia I                                                                                                      4

Humanismo e Tecnologia                                                                                       4

Geodésia                                                                                                                  4

Cálculo Numérico                                                                                                    4

Estratigrafia I                                                                                                            4

Geomorfologia II                                                                                                      4

Mineralogia III (minerais de minérios)                                                                   4

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Semestre 6

Geologia Histórica                                                                                                   4

Deontologia                                                                                                              4

Sedimentologia II                                                                                                     4

Petrologia Ígnea I                                                                                                     4

Estratigrafia II                                                                                                           4

Geofísica I                                                                                                                4

Computação Básica I                                                                                              4

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Semestre 7

Geoquímica I (ciclo endógeno)                                                                              4

Recursos Energéticos (petróleo, gás natural, carvão fóssil, turfa)                    4

Petrologia Ígnea II                                                                                                   4

Geologia do Rio Grande do Sul                                                                             4

Geofísica II                                                                                                               4

Geologia Econômica I                                                                                             4

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Semestre 8

Geoquímica II (ciclo exógeno)                                                                                4

Geologia Econômica II                                                                                           4

Petrologia Metamórfica                                                                                          8

Geologia do Brasil                                                                                                  4

Geologia Ambiental                                                                                                4

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Semestre 9

Geotécnica                                                                                                               8

Prospecção                                                                                                              8

Geodinâmica                                                                                                            4

Projeto I (preparação ao mapeamento geológico)                                               4

Geologia do Continente Sul-americano                                                                4

__________________________________________________________________Semestre 10

Projeto III (mapeamento geológico 1:50.000)                                                     16

Estágio no Instituto Eschwege (Diamantina - Minas Gerais)                             4

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                                                                    Total 288 créditos = 4608 horas aulas

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  Com o tempo colocarei algumas fotografias da época de nossas saídas de campo, de nossa experiência no ESCHWEGE, etc. 

    Pessoas, ao escrever esta retrospectiva, senti um grande aperto no peito, pois apesar da grande felicidade de ter vivido estes tempos, também se constata que tudo isso não volta mais, ficou para os arquivos do tempo. Mas, o fato de ter passado por tudo isso, certamente, nos conforta e nos deixa feliz.

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As disciplinas e seus conteúdos programáticos:


1. ANTROPOLOGIA - Prof. Arthur B. Rambo


Introdução ao estudo do homem

Realidades geográfica, biológica e psíquico-racional

Divisões da Antropologia - Física, Cultural e Social

Elementos do meio - clima e solos

Vias naturais da comunicação - intercâmbio entre os povos, vias de comunicação, corredores de estepes européias e africanas, altiplanos da África Oriental, 

Isolamento geográfico

Recursos Naturais

Aspectos culturais

Interdependência homem-meio

Fases das culturas altamente tecnificadas

Formas de adaptação cultural

Dimensão biológica do homem

Mestissagem

Migrações internas

Origem e evolução do homem

Explicação materialista da vida

Filogenia humana

Diferenças entre o homem e o animal

Comportamento instintivo

Dimensão cultural do homem

Estudo e características da cultura

História da cultura

Revoluções tecnológicas

Bibliografia recomendada:

RAMBO, A. B. Antropologia - uma introdução ao estudo do homem. UNISINOS: São Leopoldo. 108p., 1973.

NOTAS:

G1 = 2,60

G2 = 5,57

R1 = 6,00

EF = 6,13

MF = 6,00


2. ESTUDO DE PROBLEMAS BRASILEIROS - Prof. Laurício Lehman

Estruturas sociais e políticas: ideologias

Nação

Democracia liberal e social

Objetivos nacionais

Integração nacional

Programa de integração nacional

Conceito de desenvolvimento

Explosão demográfica

Problemas x Soluções

Realidade educacional brasileira

Projeto Rondon e Operação Mauá

Diretrizes de saúde

Problemas da poluição

Problema dos tóxicos

Política de minérios

Política energética

Política de transportes

Mercado de capitais

Bibliografia recomendada:

TORLONI, H. Estudo de Problemas Brasileiros. Pioneira: São Paulo, 327p., 1976.

NOTAS:

G1 = 6,60

G2 = 6,57

R1 = -

EF = 6,13

MF = 6,36


3. LÍNGUA PORTUGUESA - Prof. Vicente Brückmann


Acentuação gráfica

Crase

Colocação pronominal

Dubiedade

Uso do hífen

Plural em substantivos compostos

Plurais especiais

Antropônimos

Adjetivos pátrios

Locuções

Siglas e abreviaturas

Iniciais maiúsculas e minúsculas

Unidades de medidas  e símbolos

Conjunção verbal

Particípios regulares e irregulares

Tipos de concordância

Bibliografia básica:

CEGALLA, D. P. Gramática. Nacional: Ri de Janeiro, 347p., 1976.

NOTAS:

G1 = 9,00

G2 = 8,57

R1 = 

EF = 6,75

MF = 7,77


4. LÍNGUA INGLESA - Prof. Dorotea Kersch.


Reccaling - Verb To be

Translation of texts: English-Portuguese; Portuguese-English

Conversation

Subject Pronouns

Articles

Plural

Demonstrative pronouns

Vocabulary

NOTAS:

G1 = 6,00

G2 = 7.00

R1 = 

EF = 5,50

MF = 6,00


5. LÓGICA E METODOLOGIA CIENTÍFICA - Prof. Honório Zorzo

Natureza e níveis de conhecimento

Pesquisa bibliográfica

Argumentação simples

Argumentação concatenada

Argumentações formal e informal

Conceituação dos principais elementos lógicos

Juízo e proposição simples

Silogismos

Correção dos silogismos

Correção e veracidade nos silogismos

Bibliografia básica:

BECKER, F.; LARS, J. J. F.; BRAND, R. R.; SCHEID, U. Manual de Lógica e Metodologia. UNISINOS, São Leopoldo, 106p. 1976.

NOTAS:

G1 = 6,00

G2 = 6,00

R1 = 

EF = 6,00

MF = 6,00


6. HISTÓRIA DO PENSAMENTO HUMANO - Prof. Maurílio Ártico.


Os pensadores: Pascal, Ortega Y Gasset, Jaeger, Werner, pensadores anônimos

Linha do tempo

Oriente pré-helênico

Mundo clássico: Grécia e Roma

Povos helenos

Evolução política de Atenas

Democracia

O mundo grego

Roma

O homem e o mundo romano

Dissolução do Império Romano

Idade Média

Feudalismo

Transição do mundo clássico para o mundo medieval

Cristianismo

Renascença

Desenvolvimento da burguesia

A Reforma

Absolutismo

Independência dos Estados Unidos da América

A Revolução Francesa

O mundo contemporâneo

Revolução Industrial

Ideologia Liberal

O pensamento socialista

Proletariado

Sindicalismo e anarquismo

Colonialismo e Imperialismo

Desenvolvimento científico no século XIX

Movimento feminista

Século XX

A revolução soviética

As grandes guerras

A conquista do espaço

Bibliografia básica:

FRANZEN, B. História do Pensamento Humano. UNISINOS: São Leopoldo, 205p., 1976.

NOTAS:

G1 = 7,60

G2 = 5,57

R1 = 

EF = 6,23

MF = 6,41


7. MATEMÁTICA FUNDAMENTAL - Profa. Elizabeth Salim.


Revisão - medidas angulares

Propriedades potenciais

Conjuntos numéricos

Domínios de uma função

Gráficos de funções

Gráficos no plano cartesiano

Funções

Sistemas de inequações

Vértices de parábola

Expoente racional fracionário

Equações e inequações exponenciais

Função logarítmica

Sucessão (seqüência)

Progressões geométricas e aritméticas

Matrizes

Determinantes

Sistemas lineares

Análise combinatória

Binômio de Newton

Forma algébrica

Números complexos

Forma trigonométrica

Fórmula de Maivre

Polinômios

Relações de Girard

Raízes racionais

Porcentagem

Trigonometria

Referências básicas:

GOVANNI, J. R.; BONJORNO, J. R.; GIOVANNI Jr., J. R. Matemática Fundamental. FTD: São Paulo, 560p., 1976.

NOTAS:

G1 = 10,00

G2 = 9,00

R1 =

EF = 7,80

MF = 8,65


8. QUÍMICA V - Profs. Mário Yungs e Marco Antônio Silva. 


Matéria e medidas

Água

Oxigênio

Hidrogênio

Matéria e energia

Teoria atômica

Átomos-grama

Número de Avogadro

Radioatividade

Átomos

Determinação de massa e carga

Átomo nuclear

Níveis eletrônicos de energia

Lei Periódica

Tamanho dos átomos

Potencial de ionização

Ligações químicas

Eletronegatividade

Saturação de valência

Ressonância

Forma das moléculas

Estequiometria

Reações químicas

Número de oxidação

Equivalentes-grama

Elementos químicos e seus compostos

Metais alcalinos

Metais alcalino-terrosos

Elementos de transição

 Elementos do Grupo III

Elementos do Grupo IV

Elementos do Grupo V

Elementos do Grupo VI

Os halogênios

Estrutura nuclear e radioatividade

Nomenclatura da química inorgânica

Potências

Operações matemáticas

Definições de termos físicos

Unidade

Pressão de vapor de água

Potenciais de oxidação

Constantes de equilíbrio

Escalas de pesos atômicos baseadas no C-12

Pesos atômicos internacionais.

NOTAS:

G1 = 2,10; G2 = 6,00; MG1-2 = 4.05

G3 = 3,00; G4 = 3,6; MG3-4 = 3,30

R1 = 6,00; R2 = 5,6; M = 5,8

EF = 6,20

MF = 6,00

9. Biologia - Prof. Geraldo Rodolpho Hoffmann













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GALERIA DE IMAGENS



Saída de campo para os Aparados da Serra.

Arcadas do prédio da Geologia da UNISINOS na década de 70 - "quem teve o privilégio de estudar neste local, teve; quem não teve, nunca mais terá!" Este patrimônio cultural da humanidade foi, estranhamente, consumido por um incêndio, numa noite, em um final de semana!

 Incêndio do nosso amado curso de Geologia. Tal qual numa atividade vulcânica tudo foi destruído, mas das cinzas, tal qual Fênix, nosso curso se levantou e continuou suas atividades. 

Turma da geologia no Instituto Eschwege, Diamantina/MG - estágio de 30 dias feito nesta cidade mineira. À direita encostado ao poste, meu fraternal amigo Ivan Luís Zanette (o "nôno"), ao lado Paulo Ricardo Leibnitz (deitado em frente à janela).

Instituto Eschwege, Diamantina/MG - ponte que ligava um prédio ao outro. Como os prédios eram um antigo convento de freiras carmelitas, e elas não podiam ter contato com o mundo exterior, então usavam este artefato para irem de um lado ao outro.

Ônibus da Central em frente ao prédio do curso de Geologia da UNISINOS - muitas vezes, no auge do curso, saiam entre 5 a 10 ônibus para diversos destinos.

De vez em quando, um ônibus da geologia atolava ou capotava nas saídas de campo. Felizmente nunca tivemos óbitos, muito embora a senhora morte estivesse sempre por perto de nós.
Visita a uma mina, geralmente locais perigosos, pois os tetos são escorados por moeirões de madeira.
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ALGUNS DE NÓS


Paulo Neves - "o Nevão" - autor deste "blogger"; João Luís Emmel ("Garça, Garcígula, o Imperador"); Ivan Luís Zanette ("o nonô"). 
Dão Real Pereira dos Santos, um excepcional cantor nativista. 

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Algumas vezes em que a morte esteve muito perto:

1) Terra de Areia - litoral Norte do Rio Grande do Sul - estava no interior de uma mata paludosa, quando me apoiei num tronco de árvore. Vi um inseto sentar em meu braço e achando que era uma mutuca dei um tapa. Logo, senti um queimaço no mesmo e vi que era uma abelha. No instinto me atirei, com equipamento e tudo, num córrego que passava por ali. Gente, era uma quantidade tão grande de abelhas, que algumas se grudavam em minha barba e morriam por afogamento. De tempos em tempos tinha que emergir para tomar ar e logo que isso acontecia era atacado novamente. Depois de um certo tempo, já com início de hipotermia e desidratação, não pude mais ficar ali e lentamente fiquei de pé. Algumas ainda rondavam o local, mas a água deve ter tirado o aroma do ferro-hormônio e não mais me atacaram. Sai lentamente em direção a camionete e pedi que o motorista me levasse a um hospital. Meu braço esquerdo estava inchado e preto, parecia uma morçilha. Quando cheguei na emergência o médico olhou e disse. Nossa, tu não morreu ainda, ... Ai o pânico também foi grande.

2) Mina Andreazza, Vila Nova do Sul, Rio Grande do Sul - o dono da mina, me disse que no alto do horizonte calcário, tinha um veio de feldspato, que quando chovia ele tinha encontrado ouro, que vinha da mina da Juliana à montante. Isso me despertou curiosidade. Olhei e calculei em cerca de 150 m de altura. Não pensei muito e disse para mim mesmo, vou lá! Na ida, tudo bem, tinha um caminho de cerca de 50 cm, como se fosse uma bancada. A volta é que foi o problema. No caminho havia uma série de dobras, como se fossem cotovelos e estava muito embarrado tudo, pois havia chovido. Parei e comecei a medir as consequências. Voltar pelo caminho de ida seria queda na certa, pois ao contrário da ida, agora era um plano inclinado. Com certeza eu cairia. Olhei para baixo e uma escavadeira lá de cima, parecia de brinquedo, se caisse era morte certa. Olhei para o lago de rejeito e, também era fria, pois estava cheio de lama; Olhei para cima e, mais uns 20 m estaria no topo, mas poderia haver blocos soltos por ali. Mas, dada a situação esta seria a única tentativa viável. De repente, numa última visualização vi uma árvore com as raízes um pouco expostas encravada na falha. Não tive mais dúvidas, ali era o caminho mais seguro. E foi, pois em seguida a árvore estava muito próxima dos lavadores, por onde consegui sair. Tenho até hoje uma amostra deste veio de ortoclásio no mármore em minha coleção. Amostra linda, mas o ouro que quase me levou a vida, nem sombra!!!

3) Diamantina - Instituto Eschwege, em Minas Gerais - na volta do campo, num domingo, sempre passávamos em um restaurante para tomar uma cerveja antes da volta ao Instituto. Numa dessas o garçon cobrou um preço excessivo pela cerveja. Ficamos irritados e pedimos nota fiscal, que nos foi negada. Incontinenti sai à rua e chamei uma viatura da PM que estava passando. O sargento começou a fazer o BO e de repente disse: menino, paga a cerveja, deixa isso para lá que vai ser melhor para todos. Mas, como todo jovem exaltado, que ainda acreditava que o país tinha leis, disse não. O senhor faça o BO que vou ir até o fim. Então ele fez o BO e disse para que eu comparecesse à delegacia de polícia no outro dia para ratificar. Em seguida, chegou um senhor todo de branco (até os sapatos), disse que era o dono do local e pediu que eu fosse até o seu escritório. Me cobrou o preço justo e disse: moço, as coisas aqui não são resolvidas assim, aqui se resolvem os problemas de outra maneira. Fomos embora e paramos em outro bar mais à frente (geólogos e bebida, na época, formavam uma perfeita simbiose). Num dado momento, todas as portas foram fechadas. Perguntamos o que estava acontecendo. Era o enterro de um irmão do atleta João do Pulo, que havia sido assassinado num garimpo. Nossa, a gurizada me pegou para Cristo, foi uma gozação só. E eu fiquei muito preocupado, pois só ai pesei a situação. No outro dia não fui à delegacia obviamente. Faltava ainda uma semana para terminar o estágio. Imaginem o clima de terror, trabalhando num local desconhecido, em que se passava o dia inteiro no campo sem ver nenhuma pessoa. Foi ruim!
 
4) Campos Novos, em Santa Catarina - estava em mapeamento de uma área no cânion do rio Canoas com o Ivan Zanette, onde haviam muitas cavernosidade no vitrófiro. Para chegar nelas e locá-las, contratamos um menino morador da região, que nos disse conhecer as mesmas. E lá fomos nós, com luminárias nos capacetes. O local dessas formações é um verdadeiro breu e os espaços de passagem mal cobrem o nosso diâmetro. O menino ia demarcando o ponto em que passávamos com cal (fazia uma seta em direção à saída), Depois de um certo tempo entramos num anfi-teatro, onde havia em torno de seis ou mais cavidades, todas elas marcadas com setas. O pavor foi total. Nisso o guri nos contou que sempre que entrava nas cavernas marcava-as e, agora não sabia mais qual era a que voltava. Que "sheet"! Vimos que numa delas havia forte corrente de ar, então a superfície estaria próxima e realmente  aconteceu, só que a saída da caverna tinha uns 200 m de queda livre. Voltamos ao nosso anfiteatro. Ai o Ivan teve uma ideia genial. Acendeu uma lamparina que levávamos e foi apontando a chama para as cavidades. Numa delas a chama deitou. Era aquela a saída! Interessante que num ambiente desses se perde a dimensão do tempo (achamos que tínhamos ficado muito pouco tempo por ali). Quando entramos era dia (perto das duas horas da tarde), quando saímos já era um crepúsculo, perto das 6 horas da tarde.!

5) Outra de Campos Novos, com o Zanette. Estávamos num afloramento de estrada num dia de temporal. De repente um rastilho de fogo passou em nossa frente do outro lado da estrada. Após, um trovão muito forte. Não é que um raio passou muito perto de nós e matou algumas reses que estavam próximas.

6) Presidente Figueiredo - no Amazonas - Eu e um colega da CPRM de Manaus estávamos fazendo um caminhamento ao longo de um corredor em plena floresta. Depois de um longo tempo de caminhada, ele se deu conta que tinha esquecido seu martelo num dos afloramentos visitados e me disse que iria voltar. Estávamos ao lado de uma cachoeira onde tinha umas casas do IBAMA (eles usam como posto avançado - mas estavam vazias) e eu disse que iria ficar esperando ele ali e iria aproveitar para um banho. Ele me disse, então fica ai, mas não sai por motivo nenhum, qualquer coisa entra na casa e fecha a porta.
No início tudo bem, mas como ele estava demorando, bateu a ansiedade. Pensei então, nós viemos sempre pela trilha e nunca saímos do lado do igarapé.  Então é só voltar pela trilha sem sair do lado do igarapé. Foi o que fiz. Só que depois de um certo tempo, a trilha se desdobrou em quatro e o igarapé estava longe, só dava para ouví-lo. Que cagaço! Sentei no meio da trilha e esperei, mesmo com ansiedade. De repente o colega apareceu e ficou muito puto da cara por eu ter saído sozinho do local. Isso se chama inexperiência, que muitas vezes é fatal.

7) Tefé - no Amazonas - estávamos percorrendo uma trilha na mata, recém aberta. O mateiro ia à frente preparando o terreno. A norma por lá é ir sempre costeando um igarapé, por questão de orientação. O topógrafo ia na minha frente e atrás de mim o outro mateiro e o lancheiro. De repente, um verdadeiro alvoroço. Os cachorros (dois) passaram por mim em alta velocidade. Em seguida o mateiro passou gritando e sem o seu facão. O topógrafo idem, perdendo na corrida seus equipamentos. Não pensei duas vezes e pau na estrada, mas nisso já senti uma fisgada vigorosa na nuca. Vi todos eles dentro do igarapé, inclusive os dois cachorros e me atirei também. So que igarapés amazônicos são como rios para nós aqui do sul e imaginem entrar num deles , muito profundo, com martelo na cintura e tênis nos pés e calça de brim. Não sei de onde tiramos forças para ficar na tona e depois nos agarrarmos na vegetação. Depois que passou o perigo rimos muito, mas a ferroada que levei custou muito a passar a dor e até hoje ainda tenho esta marca geológica na região da nuca. Após, o mateiro nos contou que cortou uma caba (cachopa de marimbondos) só que cada um dos insetos era do tamanho de um beija-flor, no mínimo.

8) Ilhéus - na Bahia - estava fazendo um mapeamento numa fazenda da região, em plena Mata Atlântica, que lá estava quase que intocada. O dono queria que achássemos painita, um aluminoborato de Ca e Zr, muito raro e valioso, só encontrado até o momento em Myammar Provavelmente ele viu este mineral lá, pois tinha em seu gabinete algumas amostras. Mesmo dizendo para ele que este mineral não ocorre no Brasil, de nada adiantou. O homem era muito rico e vaidoso e botou na cabeça que havia esta substância nas terras dele. Num dos caminhamentos o mateiro pediu que eu parasse. Me apontou para a raiz de uma árvore e perguntou se eu estava vendo alguma coisa. Olhei com atenção e disse que não. E ele disse: é por isso que as pessoas que não são daqui morrem.
A seguir pegou um galho bastante comprido e mexeu no local. Veio para a trilha um dos animais mais maravilhosos que já vi. Pelo tamanho perguntei a ele se era uma sucuri. Ele disse não, é uma surucucu. Uma serpente magnífica, preto e vermelho-amarelado com cerca de 3 m de comprimento. Ele me explicou que a picada desta cobra é quase que sempre fatal e que ela é um animal bastante agressivo. Eu falei e agora o que vamos fazer. Ele disse: esperar que ela vá embora. Demorou uns 20 minuto e ela foi! Perguntei se as pessoas não matam as surucucus e ele disse que só a tiro, pois com pau ou facão não há a menor chance de não serem picadas.

9) Mapeamento na região Parque Estadual do Turvo, em Derrubadas. Decidimos ir até as barrancas do rio Uruguai tomar um banho de rio. Na ida vimos diversas pegadas de onça, que talvez tivessem passado por ali à noite. Chegamos nas barrancas e descemos. O banho foi muito prazeiroso. Mas, a volta não, ao menos para mim! As barrancas do Uruguai tem cerca de 8 m de altura e são compostas por argila pura, numa inclinação de 30-40°. Na volta os baixinhos foram voando para cima e eu fiquei para trás, pois dava um passo para a frente e dois para trás naquelas inclinações. Tentei chamar os companheiros mas eles já não me ouviram mais. Cheguei ao ponto de desistir daquela subida e esperar que me resgatassem mais tarde. Só que ficar num local que tu sabes que é o hábitat da "pintada" não é tarefa das mais agradáveis. Minha sorte, sempre tive muita sorte (só não ganhei na mega ainda), é que havia ali perto um cipó que descia de alguma árvore da floresta até o rio. Ai foi barbada, subi. Só que tive que ir sozinho pela trilha da mata até o acampamento, umas duas horas de caminhada!

Existem muitas outras passagens perigosas, mas vou parar por aqui para não dar chance ao azar. Geologia é uma filosofia de vida. É um curso diferenciado de todos os outros, com certeza, pela aventura que é estudar e trabalhar com geologia.
Estou, atualmente, com 67 anos de idade , mais de 50 deles, dedicados à ciência. Vi coisas maravilhosas nos mais diversos rincões desse nosso maravilhoso Brasil. Mas vi, também, coisas deploráveis, e não culpo as pessoas ignorantes que as fizeram, mas sim aos seres governamentais que dilaceram nosso país e nossas riquezas, procurando amealhar aquilo que nunca conseguirão gastar. Isso realmente não tem sentido. 
A maneira com que o dito Homo sapiens  administra a natureza é algo que nos envergonha muito, pois é muita covardia e desfasatez juntas, promovida por aqueles senhores de cabeça branca (alguns nem tanto) de Brasília.
Muito se fala que o homem irá destruir a Natureza; eu penso ao contrário, pois pelos estudos de Evolução, fica bem delineado no tempo geológico, que todas as espécies que de alguma forma se super especializaram foram à extinção. A própria natureza de alguma forma reagiu. Então, não estará chegando a nossa hora!!! 
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Comentários

  1. Parabéns pela iniciativa de criar este blog.
    Fiquei surpreso com o curriculo do curso de Geologia, bem mais atraente, em certos aspectos, que o do curso que eu fiz na Ufrgs (então Urgs), entre 1967 e 1970.

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  2. A história da cola escondida entre os seios da aluna está ótima! :-)

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